
Na manhã de quinta-feira, 4 de dezembro de 2025, as rodovias brasileiras permaneceram tranquilas — exatamente o oposto do que havia sido anunciado. A greve nacional de caminhoneiros, convocada pela União Brasileira dos Caminhoneiros (UBC) e liderada por Francisco Dalmora Burgardt, conhecido como 'Chicão Caminhoneiro', simplesmente não aconteceu. Enquanto a UBC afirmava que 20% dos 1,2 milhão de caminhoneiros autônomos do país participariam, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) confirmou: nenhum bloqueio, nenhuma paralisação, nenhuma comunicação oficial. As 75 mil quilômetros de rodovias federais seguiram como sempre: movimentadas, livres, sem interrupções.
Um chamado que ninguém ouviu
O plano da UBC era ambicioso: paralisar o país. Burgardt, em entrevista ao InfoMoney na mesma manhã da data marcada, garantiu que a mobilização tinha “fundamento legal” e que o movimento era legítimo. Mas a realidade nas estradas foi outra. Enquanto a UBC prometia adesão em todas as cinco regiões — com foco no Sudeste, especialmente em São Paulo — sindicatos locais, como o sindicato dos transportadores rodoviários autônomos de bens de Ourinhos, admitiram publicamente que esperavam “participação mínima”. E foi o que aconteceu. Em Campinas, em Belo Horizonte, em Curitiba, em Recife, em Porto Alegre: silêncio. Nenhum caminhão parado. Nenhuma faixa pendurada. Nenhum protesto nas entradas de portos ou terminais logísticos.As pautas que dividiram o setor
A UBC listou uma série de reivindicações que, isoladamente, pareciam legítimas: atualização da tabela mínima de frete para veículos de nove eixos, congelamento de dívidas por 12 meses, aposentadoria especial após 25 anos de atividade, isenção da pesagem em eixos e um crédito de até R$ 200 mil para caminhoneiros. Mas o ponto que virou fogo cruzado foi o pedido de anistia para os participantes dos eventos de 8 de janeiro de 2023, quando militantes de extrema direita invadiram o Congresso, o Planalto e o STF em Brasília. Essa exigência transformou o movimento em algo muito além de uma greve por direitos trabalhistas — tornou-se um ato político, com clara intenção de legitimar atos de violência institucional.“Não vamos ser massa de manobra para quem quer derrubar a democracia”, disse ao InfoMoney um dirigente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, que se recusou a endossar a UBC. Outros sindicatos, como o da Federação Nacional dos Caminhoneiros, emitiram nota oficial rejeitando “qualquer vínculo com pautas pró-golpismo”. A própria imprensa, de diferentes espectros políticos — de Brasil de Fato a Metrópoles — usou o mesmo termo: “pautas pró-golpismo”. E não foi por acaso.
Por que o movimento fracassou?
Há três razões principais. A primeira é a desconfiança: muitos caminhoneiros sabem que a UBC não representa a maioria. Ela é uma entidade pequena, com pouca estrutura, mas grande capacidade de gerar notoriedade nas redes. A segunda é o medo: após os eventos de 2023, muitos motoristas temem ser associados a grupos extremistas — e isso pode afetar sua imagem, suas cargas, seus contratos. A terceira, talvez a mais importante: a logística do país não depende mais apenas de caminhoneiros autônomos. Empresas como Loggi, 99Fretes e Uber Freight têm preenchido lacunas que antes eram exclusivas do transporte individual. O setor mudou. E os caminhoneiros que trabalham com contratos firmes, com empresas confiáveis, não querem correr riscos.A PRF, que monitora 75 mil km de rodovias, confirmou que “não houve qualquer desvio do fluxo normal de tráfego”. Nada de caminhões parados em pedágios. Nada de ocupação de vias. Nada de manifestações. Apenas o silêncio das estradas — e o eco de uma convocação que ninguém seguiu.
Consequências e o que vem a seguir
A falha da greve foi um golpe duro para a UBC. Burgardt, que já liderou protestos em 2018 e 2023, perdeu credibilidade. A entidade perdeu espaço na mídia e no debate público. Enquanto isso, sindicatos tradicionais, como o Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos de São Paulo, começaram a pressionar o governo por negociações reais — sem amnistiados de 8 de janeiro, sem discursos de ódio, sem pautas políticas. A pressão agora é por um novo marco regulatório, mais justo, mais transparente. Mas sem a sombra do golpe.Na prática, o fracasso da greve mostra algo mais profundo: o Brasil não está disposto a voltar ao caos. Nem mesmo quando o discurso vem com o nome de “luta dos caminhoneiros”. A população entendeu: não é greve se o objetivo é desestabilizar a democracia. É tentativa de golpe disfarçada de reivindicação.
Contexto histórico: o peso de 8 de janeiro
Os eventos de 8 de janeiro de 2023 ainda ecoam. Foram os mais graves ataques à democracia brasileira desde a redemocratização. Milhares de pessoas invadiram os três poderes. Destruíram patrimônio público. Tentaram derrubar o governo eleito. Desde então, mais de 3.000 pessoas foram investigadas, 1.200 presas, e centenas estão respondendo a processos na Justiça. A exigência de anistia por parte da UBC não foi um detalhe — foi um teste. E o setor, majoritariamente, rejeitou. Não por falta de problemas, mas por saber que não se resolve injustiça com violência.Frequently Asked Questions
Por que a greve dos caminhoneiros não aconteceu, se a UBC disse que 20% adeririam?
A UBC superestimou sua influência. Enquanto a entidade afirmou que 240 mil caminhoneiros participariam, a PRF registrou zero bloqueios e nenhum comunicado oficial de paralisação. Sindicatos regionais, como o de Ourinhos e São Paulo, negaram adesão. Muitos caminhoneiros evitaram o protesto por medo de serem associados ao extremismo político, especialmente após os eventos de 8 de janeiro de 2023.
Quem é Francisco Dalmora Burgardt, o 'Chicão Caminhoneiro'?
Francisco Dalmora Burgardt, conhecido como 'Chicão Caminhoneiro', é um líder controverso que já liderou greves em 2018 e 2023. Ele preside a UBC, uma entidade com pouca representatividade real entre os caminhoneiros, mas grande visibilidade nas redes sociais. Sua atuação tem sido marcada por alianças com setores de extrema direita e pela inclusão de pautas políticas em reivindicações sindicais.
O que é a pauta pró-golpismo e por que ela é tão polêmica?
A pauta pró-golpismo se refere à exigência da UBC de anistia para os participantes dos ataques aos poderes da República em 8 de janeiro de 2023. Essa demanda foi vista como uma tentativa de legitimar atos de violência contra a democracia. Organizações sindicais tradicionais rejeitaram a ideia, afirmando que não permitiriam que caminhoneiros fossem usados como instrumento político para desestabilizar o Estado.
As reivindicações econômicas dos caminhoneiros ainda são válidas?
Sim. Demandas como a atualização da tabela de frete, o congelamento de dívidas e o acesso a crédito ainda são urgentes. Mas agora, os sindicatos legítimos, como a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos, estão buscando negociar esses pontos sem envolvimento político. A falha da greve abriu espaço para um novo diálogo, mais realista e menos radical.
Como a PRF monitora as rodovias e por que isso foi importante?
A Polícia Rodoviária Federal monitora 75 mil km de rodovias federais com patrulhas contínuas, câmeras e sistemas de alerta. Sua confirmação de que não houve bloqueios foi decisiva para desmentir a narrativa da UBC. Sem o apoio da autoridade de trânsito, o movimento perdeu qualquer base de legitimidade. A PRF não é política — ela é técnica. E sua resposta foi clara: nada aconteceu.
O que mudou no setor de transporte desde a greve de 2018?
Em 2018, os caminhoneiros tinham mais poder de pressão porque o transporte dependia quase que exclusivamente de autônomos. Hoje, plataformas digitais, empresas de logística e contratos diretos com grandes empresas reduziram essa dependência. Além disso, a sociedade está mais consciente dos riscos de mobilizações politizadas. A greve de 2025 falhou porque o cenário mudou — e os caminhoneiros sabem disso.